Uma balança da justiça com a Constituição Federal ao fundo, simbolizando a decisão judicial sobre a lei.

STF Suspende Redução de Prazo e Salva Milhares de Ações de Improbidade Administrativa da Prescrição

Uma decisão liminar proferida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu o dispositivo legal que reduzia pela metade o prazo de prescrição para ações de improbidade administrativa. Essa medida crucial evitará que dezenas de milhares de processos em todo o país sejam arquivados e frustra o que muitos consideravam uma tentativa de “vale-tudo” para garantir a impunidade de indivíduos envolvidos em desvios de recursos públicos.

O Risco Iminente de Prescrição

Antes da intervenção do STF, muitos réus contavam com a possibilidade de atrasar os julgamentos, buscando postergar as decisões. Em Campo Grande, por exemplo, o juiz Ariovaldo Nantes Corrêa, da 1ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos, estava em uma corrida contra o tempo, agendando sentenças para serem prolatadas até o dia 21 de outubro deste ano, na tentativa de evitar a prescrição de processos.

Nacionalmente, o cenário era alarmante. Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) indicavam que cerca de 40 mil ações por improbidade administrativa corriam sério risco de caducar. Essa ameaça decorria diretamente da redução do prazo prescricional, estabelecida pela Lei 14.230, sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL) em outubro de 2021. Somente na capital sul-mato-grossense, 70 processos estavam em risco de serem arquivados, sem que os responsáveis fossem punidos.

A Ação da Conamp e o Argumento do Ministério Público

Diante desse quadro, a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF, solicitando uma medida liminar para barrar a prescrição de milhares de ações. A entidade argumentou que o prazo de quatro anos para a contagem da prescrição, a partir da interrupção, era incompatível com a realidade do sistema de justiça brasileiro. A Conamp destacou que, na maioria dos casos, a tramitação de um processo cível leva, em média, quase cinco anos para percorrer cada instância judicial, tornando o prazo reduzido impraticável e prejudicial à efetividade da justiça.

A Decisão do Ministro Alexandre de Moraes

O ministro Alexandre de Moraes acatou o pedido de tutela de urgência apresentado pela Conamp. Em sua determinação, ele fundamentou a decisão no art. 10, § 3º, da Lei 9.868/1999, e no art. 21, V, do RISTF, concedendo a medida cautelar, ad referendum do Plenário da Suprema Corte. A liminar suspende a eficácia da expressão “pela metade do prazo previsto no caput deste artigo”, contida no art. 23, § 5º, da Lei 8.429/1992, que havia sido incluída pela Lei 14.230/2021.

Com essa decisão, o Poder Judiciário ganha um fôlego essencial para julgar as ações de improbidade administrativa. Isso significa que réus envolvidos em grandes operações de combate à corrupção, como Lama Asfáltica, Redime, Antivírus, Reagente, entre outras, não terão mais a expectativa de se livrar das acusações por meio da prescrição.

Casos Relevantes Impactados pela Decisão

O impacto financeiro dos desvios investigados é significativo. Somente em Campo Grande, o Ministério Público Estadual (MPE) busca o ressarcimento de um montante que supera R$ 2 bilhões. Várias operações e casos de grande repercussão são diretamente afetados pela suspensão da redução do prazo prescricional:

  • Operação Tapa Buracos: A fraude ocorrida durante a gestão do ex-prefeito Nelsinho Trad (PSD) é objeto de 11 ações por improbidade. Embora o ex-prefeito tenha conseguido se desvencilhar de algumas acusações, ele permanece réu em outras, além de responder a três ações relacionadas ao escândalo do Gisa.
  • Operação Lama Asfáltica: Esta operação, que revelou um esquema complexo de corrupção, envolve figuras proeminentes como o ex-governador André Puccinelli (MDB), o ex-secretário de Obras Edson Giroto, e empresários de grande influência, como João Amorim, João Roberto Baird e Antônio Celso Cortez. As ações contra eles também corriam risco de prescrição.
  • Desvios na Saúde: Há ainda processos de improbidade que apuram desvios milionários na área da saúde, incluindo um caso de R$ 46 milhões que envolve a empresa Health Brasil Inteligência em Saúde.

Críticas à Intervenção do STF

Apesar da importância da decisão para a continuidade das ações de improbidade, a intervenção do STF em atos do Congresso Nacional tem sido alvo de críticas por parte de alguns juristas. O advogado constitucionalista André Borges expressou sua preocupação:

“O STF tem exagerado no controle de constitucionalidade, derrubando lei aprovada legitimamente; que de maneira alguma ofende a Constituição; última palavra sobre esse tipo de assunto sempre deveria ser do órgão máximo de representação popular, no caso o Congresso Nacional.”

Essa perspectiva levanta o debate sobre os limites da atuação do Poder Judiciário na revisão de leis aprovadas pelo Legislativo, especialmente quando a constitucionalidade não é vista como flagrantemente comprometida por alguns especialistas.

Entenda a Lei de Improbidade Administrativa

A Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/1992) tem como objetivo punir agentes públicos e terceiros que causem prejuízo ao erário, enriqueçam ilicitamente ou atentem contra os princípios da administração pública. As sanções podem incluir perda da função pública, suspensão dos direitos políticos, pagamento de multa e ressarcimento integral do dano. A alteração promovida pela Lei nº 14.230/2021, sancionada em outubro de 2021, trouxe diversas mudanças, sendo uma das mais polêmicas a redução do prazo prescricional, que gerou o risco de arquivamento de milhares de processos em andamento. Essa lei buscou, entre outros pontos, tornar a aplicação das sanções mais restrita, exigindo, por exemplo, a comprovação de dolo (intenção) para a caracterização de atos de improbidade, o que também foi alvo de debates.

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