
Policial Penal é Preso no Rio Após Atirar em Entregador de Aplicativo; Caso Gera Repercussão
A Polícia Civil do Rio de Janeiro, em uma ação conjunta com a Corregedoria da Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap), efetuou a prisão temporária do policial penal José Rodrigo da Silva Ferrarini na tarde deste domingo, 31 de agosto de 2025. A detenção ocorreu em cumprimento a um mandado expedido pelo Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, após Ferrarini ser identificado como o autor do disparo que atingiu um entregador de aplicativo na última sexta-feira (29).
A Prisão e os Desdobramentos
O mandado de prisão temporária contra José Rodrigo da Silva Ferrarini foi expedido pelo Plantão Judiciário neste domingo, 31 de agosto. A investigação conduzida pela 32ª Delegacia de Polícia (Taquara) apontou Ferrarini como o responsável por atirar contra um entregador do iFood em Jacarepaguá, na Zona Oeste do Rio. Curiosamente, Ferrarini havia sido ouvido na mesma delegacia no sábado (30), mas foi liberado após prestar depoimento. A apuração inicial do g1 revelou que o policial penal não compareceu ao seu plantão na Secretaria Estadual de Administração Penitenciária (Seap) após o incidente.
O Incidente: Uma Discussão que Terminou em Tiro
A Cronologia dos Fatos
O episódio que culminou na prisão de Ferrarini teve início na noite de sexta-feira, 29 de agosto, em um conjunto de prédios conhecido como Merck, na Rua Carlos Palut, em Jacarepaguá. Segundo relatos, uma discussão acalorada entre o policial penal e o entregador Valério Júnior, que realizava uma entrega para o iFood, escalou rapidamente. Após o disparo, Valério foi socorrido e encaminhado a uma unidade de saúde, onde recebeu atendimento médico. A 32ª DP iniciou imediatamente as investigações, recolhendo a arma do agente para perícia. Com base nas evidências coletadas, a autoridade policial representou pela prisão preventiva de Ferrarini, embora o mandado expedido tenha sido de prisão temporária.
A Dinâmica da Discussão e o Disparo
A confusão teve como estopim a recusa de Ferrarini em descer até o portão do condomínio para buscar o pedido, exigindo que Valério Júnior subisse até seu apartamento. O entregador, seguindo as diretrizes da plataforma, negou-se a subir e insistiu para que a entrega fosse feita no primeiro ponto de contato. Diante da insistência do policial, Valério começou a gravar a interação com seu celular, momento em que Ferrarini se alterou ainda mais.
No vídeo, Valério narrava a situação: “Tá OK. Estou na Merck…”, quando foi abruptamente interrompido por Ferrarini, que disparou contra o pé direito do entregador. “Então valeu!”, teria respondido o policial, enquanto Valério se contorcia de dor e questionava: “Que isso, cara!?”. Ferrarini, de forma agressiva, retrucou: “Que isso é o cralho. Bora, me dá minha parada! Tá me filmando por quê, prra!?”. Mesmo com o pé ensanguentado, Valério tentou apelar, afirmando ser morador do local: “Eu moro aqui, cara! Eu sou morador, cara!”. Em desespero, o entregador gritou por ajuda, chamando um porteiro: “Ô, Tião! Me ajuda aqui, Tião! Ele me deu um tiro, Tião! Chega aí, Tião! Sou eu, Valério!”. Após o disparo, Ferrarini deu as costas ao entregador ferido e retornou para sua residência.
A Vítima e as Consequências Imediatas
Valério Júnior foi atendido emergencialmente e, apesar da gravidade do ferimento, recebeu alta hospitalar com o projétil ainda alojado em seu pé direito. Em seu depoimento, o entregador relatou a tensão do momento: “Ele [Ferrarini] falou que não ia lá, mandou buscar no bloco, e eu falei que não. Disse para me encontrar na portaria”. Ele expressou sua indignação com a situação: “Quando ele veio, ele já veio alterado. Falei: ‘Cara, fica tranquilo, fica tranquilo, eu só preciso do código’. Ele falou: ‘Me dá o pedido’!’ Eu falei: ‘Não. Me dá o código, que eu te dou o pedido’. Eu recebia R$ 7 para tomar um tiro no pé”. Valério Júnior agora enfrenta a incerteza de seu retorno ao trabalho, dependendo da avaliação médica sobre a possibilidade de remoção da bala e eventuais sequelas, o que impactará diretamente sua renda.
Reações e Medidas Administrativas
A Secretaria de Estado de Administração Penitenciária (Seap) agiu rapidamente, informando neste domingo que afastou José Rodrigo da Silva Ferrarini de suas funções por um período de 90 dias. Em nota oficial, a Seap classificou a conduta do servidor como “abominante” e “repugnante”. A secretária Maria Rosa Nebel reforçou o posicionamento da instituição: “A Polícia Penal não compactua em hipótese alguma com atitude como essa, atitude repugnante e que não representa a grande maioria dos policiais penais do Rio de Janeiro”. Ela também destacou que a corregedoria da Seap está acompanhando o caso em colaboração com a delegacia de polícia e expressou solidariedade a Valério Júnior. Além do afastamento, um processo administrativo disciplinar (PAD) foi instaurado contra Ferrarini para apurar os fatos internamente.
Mobilização da Categoria e Posicionamento do iFood
Em um claro sinal de indignação e solidariedade, entregadores de aplicativo se uniram para realizar um protesto na porta do condomínio onde o incidente ocorreu. A categoria manifestou-se revoltada com a liberação inicial do atirador após ser ouvido na delegacia. “Uma injustiça, a gente só queria o direito de ir e vir e entregar o lanche do cliente em segurança”, desabafou o entregador Breno Pereira, presente na manifestação.
O iFood, por sua vez, emitiu uma nota oficial reiterando sua política de que os entregadores não são obrigados a levar pedidos até a porta dos apartamentos, e que a entrega deve ser feita no primeiro ponto de contato, como o portão ou a portaria do prédio. A empresa enfatizou que “não tolera qualquer tipo de violência contra entregadores parceiros e lamenta muito o acontecido com o entregador Valério de Souza Junior”. A nota também mencionou a “Política de Combate à Discriminação e à Violência” da empresa e a aplicação de sanções, incluindo o banimento da plataforma, para quem descumprir as regras. Para incentivar a colaboração dos clientes, o iFood lançou em 2024, no Rio de Janeiro, a campanha “Bora Descer”, que orienta os consumidores a irem até a portaria para receber os pedidos.
Em um gesto de apoio direto à vítima, o iFood informou que disponibilizará a Valério Júnior os serviços da Central de Apoio Jurídico e Psicológico, uma parceria com a organização de advogadas negras Black Sisters in Law, visando garantir assistência legal e emocional. A empresa declarou estar à disposição das autoridades para colaborar com as investigações e expressou a esperança de que “o caso não fique impune e que Valério Junior se recupere rapidamente”.
Até o momento da publicação desta matéria, o g1 não conseguiu contato com a defesa do policial penal José Rodrigo da Silva Ferrarini.
Contexto adicional
Este incidente em Jacarepaguá ressalta a tensão e os riscos enfrentados por entregadores de aplicativos no dia a dia. As plataformas de delivery, como o iFood, geralmente orientam que a entrega seja realizada no primeiro ponto de contato (portaria ou portão), visando a segurança e a agilidade do serviço. No entanto, a exigência de subir até o apartamento por parte de alguns clientes é uma queixa comum da categoria. Casos de violência contra entregadores têm sido reportados em diversas cidades, levantando discussões sobre as condições de trabalho e a necessidade de maior proteção para esses profissionais. A atuação de um policial penal, agente de segurança pública, em um ato de violência contra um cidadão, também coloca em evidência a conduta de agentes do Estado e os processos disciplinares internos das corporações.
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